Lembro de quando entrei na faculdade de arquitetura, e dois colegas da minha turma incrivelmente talentosos me chamavam atenção. Daniel e Marina me serviam de referência.
Eu nunca fui muito talentoso para o desenho, nem tive muita formação. Sabia das minhas limitações e para me desenvolver me apoiava no aprendizado e inspiração que pessoas como eles poderiam me passar. Até hoje costumo dizer que quando desenho ou pinto não sou artista, sou um esforçado.
Os dois possuiam um traço com o lápis que eu amaria ter. Um ensino médio em escola técnica de desenho, aliado a um talento nato, fazia dos dois verdadeiros brotos de uma futura geração de arquitetos.
Daniel nasceu na capital paranaense. “Piá de prédio” como dizem por lá. Tinha um alinhamento cultural bem próximo de toda a turma. Nasceu em meio ao concreto, morou em condomínios, frequentou uma boa escola e clubes sociais tradicionais.
Marina veio do interior. Filha de agricultores de feijão, cresceu rodeada por trabalho na lavoura, animais de fazenda e pé no chão. Sua família morava em uma casa de madeira dentro de uma pequena chácara. Descobriu seu dom para a arte rabiscando lajotas com o carvão que sobrava das fogueiras acesas para assar grandes costeladas no chão do terreno. Veio para a capital após passar em uma escola técnica de desenho no ensino médio.
Aos poucos, começamos os desenhos técnicos e projetos.
Daniel estava sempre entre os destaques da turma. Já Marina não saia da linha intermediária.
Isso me intrigava, pois eu acompanhava a capacidade dos dois. Foi quando, para entender melhor a situação, comecei a reparar nos projetos apresentados por eles.
Daniel navegava em um ambiente confortável. Sugeria projetos de concreto, estruturas com grandes vãos livres, condomínios para uma vida na capital. Em paisagismo projetava parques, pequenas praças e ousou até sugerir uma melhoria no famoso Jardim Botânico de Curitiba.
Tirando a ousadia com a obra do arquiteto Abrão Assad, Marina fazia o mesmo. Porém não se sentia confortável.
Certo dia, durante o início de um exercício de planejamento arquitetônio, que consistia no projeto de uma residência para um casal com dois filhos de 3 anos, perguntei para Marina:
“O que você vai propor?”
Ela sem nenhuma empolgação me disse:
“Um apartamento com dois quartos.”, e completou em tom irônico, “mas o que essas crianças precisavam mesmo era de uma casa de madeira com galinheiro.”
A partir dali, descobri que Marina tinha medo de usar a sua história como pano de fundo para o seu desenvolvimento profissional. Por isso, usava projetos que pareciam corretos, como os de Daniel, como ponto de partida para a sua criação.
Faltava nos projetos dela o que ela tinha de mais valioso. A sua própria história.
Após algumas conversas com amigos, convencemos Marina a nos mostrar em um trabalho, soluções arquitetônicas utilizadas no interior.
Paredes e pilares de madeira passaram a aparecer. Brise-soleils, para proteger a incidência do sol, deram espaço para frondosas árvores com balanços de corda. Cozinhas pequenas e cheias de eletrodomésticos, deram lugar a grandes áreas com fogão a lenha e mesas grandes. Garagens desapareceram. Varandas amplas substituíram salas de televisão. Janelas foram valorizadas e portas tinham diferentes dimensões.
Além disso, todo projeto tinha galinhas, cachorros e porcos desenhados pelo jardim.
Ela nos mostrou um novo olhar sobre os projetos e a partir dali criou seu estilo próprio.
Me deixou na turma dos intermediários e passou a ser destaque.
Nunca mais falei com ela. Mas ela sempre me vem na memória quando vejo algum assunto relacionado ao valor que temos que dar à nossa história.
Por muitas vezes na vida, temos a tendência a menosprezar quem somos por insegurança, medo ou vergonha. Esse sentimento nos faz cair no lugar comum onde habitam todos que passam pela mesma angústia.
Renegar a nossa história é tentar apagar a grande chance de sermos únicos e extraordinários.
Hoje eu falei da Marina, que é o exemplo que lembro do meu passado, mas nos dias de hoje, de redes sociais em explosão, vejo muita gente construindo o futuro com base no passado dos outros.
Não cometa esse erro e seja o protagonista do livro da sua vida.
Sua história é linda.