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Você experimenta Pareidolia? Isso pode ajudar você a ser criativo

Pareidolia, a tendência de ver rostos e outras imagens em padrões visuais aleatórios, pode nos ajudar a entender e aumentar nossa criatividade.

Quando criança, o pintor Paul Klee era fascinado pelos rostos vívidos que via nas superfícies sinuosas das mesas com tampo de mármore no restaurante de seu tio. Ainda aluno da escola, o artista Salvador Dalí olhava para o teto de sua sala de aula, percebendo cenas bizarras no reboco manchado. E como um mestre aconselhando outros criadores, Leonardo da Vinci recomendou que olhassem para nuvens e rochas, entre outras formações naturais:

Se você tiver que inventar alguma cena, poderá ver ali semelhanças com inúmeras paisagens, adornadas de várias maneiras com montanhas, rios, rochas, árvores, grandes planícies, vales e colinas. Além disso, você pode ver várias batalhas e ações rápidas de figuras, expressões estranhas em rostos, fantasias e um número infinito de coisas, que você pode reduzir a uma forma boa e integrada.

Esses artistas estavam usando a faculdade humana da pareidolia: a tendência de perceber uma imagem significativa em um padrão visual aleatório ou ambíguo. Os cientistas agora estão explorando a conexão entre pareidolia e criatividade; vários estudos recentes descobriram que pessoas criativas são mais propensas a ver pareidolias no mundo ao seu redor do que pessoas menos criativas. A avaliação da capacidade dos indivíduos de reconhecer tais padrões foi até proposta como uma forma de medir os níveis relativos de criatividade.

Mais interessante, penso eu, é o que o fenômeno da pareidolia pode nos dizer sobre a natureza da própria criatividade e sobre como podemos usar essa habilidade inata para nos ajudar a imaginar e criar coisas novas. Alguns pensamentos:

A criatividade não é apenas pensar; é sobre ver.

O estudo científico da criatividade — e o entendimento popular dela também — muitas vezes se concentra no aspecto conceitual da criatividade, a fase durante a qual temos ideias. Mas o processo criativo começa bem antes disso, na forma como olhamos para o mundo que nos rodeia.

“Indivíduos criativos parecem processar estímulos sensoriais externos de maneira diferente, pois tendem a conectar mais facilmente elementos não relacionados”, escreve uma equipe de cientistas que investiga a relação entre criatividade e pareidolia. A pesquisa descobriu que pessoas criativas também exibem níveis mais altos de “instabilidade perceptiva”. Quando lhes é mostrada uma ilusão de ótica como o cubo de Necker (abaixo), eles são capazes de alternar mais prontamente entre as duas formas de perceber a figura.

A criatividade é criar significado a partir da matéria-prima do mundo, usando as capacidades que desenvolvemos como criaturas biológicas. Os cientistas teorizam que a pareidolia é um produto de nossa capacidade adaptativa evolutiva de distinguir rostos e outras imagens significativas da massa de informações visuais que encontram nossos olhos a cada momento de vigília.

Essa capacidade perceptiva está primorosamente sintonizada com o mundo orgânico no qual evoluímos; a pesquisa de laboratório descobriu que estamos mais aptos a ver pareidolias em cenas que exibem uma complexidade visual aproximadamente equivalente às cenas que encontramos ao ar livre.

O equipamento perceptivo que nos foi transmitido pela evolução é adaptado ao que é natural e também ao que é social e emocional: as imagens que temos maior probabilidade de ver em padrões aleatórios são rostos — e muitas vezes rostos dramaticamente expressivos.

A criatividade é tolerar e fazer uso da ambiguidade.

O mundo continuamente nos apresenta imagens e experiências que são indeterminadas, que não têm um significado ou explicação definitiva. As pessoas criativas parecem ser capazes de permanecer mais tempo neste espaço de indeterminação, sem pressa para atribuir um rótulo ou uma conclusão, tendo tempo suficiente para ver tudo o que pode estar lá.

A capacidade de tolerar a ambigüidade nos permite colher seus benefícios, um dos quais é o seguinte: a ambigüidade no mundo exterior extrai material de dentro de nós — emoções, crenças e memórias das quais podemos não ter consciência. Quando somos confrontados com um estímulo indeterminado ou incompleto, nós mesmos fornecemos as partes que faltam, e essas partes são extraídas em grande parte de nosso inconsciente. As pareidolias nos levam a projetar nossas próprias “coisas” internas no mundo, tornando-as visíveis para nós e permitindo-nos trabalhar com elas de forma criativa.

Esses hábitos mentais são aqueles que podemos cultivar conscientemente. Aqui estão três ideias para usar pareidolias para aumentar sua criatividade:

  1. Procure ativamente pareidolias. Padrões sugestivos podem ser encontrados em todos os lugares: no mundo natural de nuvens, rochas e troncos de árvores, e no mundo artificial de carros, prédios e ferramentas. Para alguém atento às pareidolias, a vida cotidiana é encantada. Há algo benignamente subversivo neles, como se o universo estivesse piscando para nós.
  2. Atenda às pareidolias em seu próprio trabalho. Os criadores que são mestres em seu ofício são hábeis em detectar padrões nascentes e ainda inexplorados em seus próprios rascunhos e esboços.

Researchers who have observed artists, architects, and designers as they create report that they often “discover” elements in their own work that they did not “put there,” at least not intentionally. . . . In one in-depth analysis of an experienced architect’s methods, researchers determined that fully 80 percent of his new ideas came from reinterpreting his old drawings.

  1. Contemple as pareidolias como uma forma de entrar em uma mentalidade criativa. Engajar-se na pareidolia é em si um ato criativo: estamos percebendo algo que (ainda) não existe, que é a essência da criatividade. Ao mesmo tempo, a beleza das pareidolias é que elas são fáceis e automáticas: nosso cérebro as cria para nós, usando o que o psicólogo Alfred Binet chamou de nossa “imaginação involuntária”.

A pesquisa descobriu que gastar tempo olhando para figuras ambíguas “estimula” uma mentalidade criativa, induzindo as pessoas a pensar com mais fluência, flexibilidade e originalidade. E não é de admirar: contemplar pareidolias nos convida a sair de um mundo literal e seco, onde tudo é exatamente o que parece – para um mundo que é enigmático, emocional e até fantástico.

Tente digitar o termo de busca #pareidolias no Instagram; você encontrará milhares de imagens evocativas. E você? Você já foi inspirado por uma pareidolia?

Este artigo foi originalmente publicado na lingua inglesa no Science of Creativity Substack de Annie Murphy Paul.