Minha mãe levantou-se silenciosamente da cama, cuidando para que seus movimentos não fizessem barulho e o balançar do colchão não me acordasse.
Mas eu não estava dormindo.
— “Mãe, já acabou?”
Com o livro ainda nas mãos, ela respondeu:
— “Junior, não acabou, mas vou deixar o livro aqui na sua cabeceira. Amanhã cedo você pode terminar de ler. A mãe está muito cansada e precisa dormir.”
Ela me deu um beijo na testa com carinho, apagou a luz e foi para o quarto dela.
Por anos, esse foi o nosso ritual noturno. Todas as noites, minha mãe me ajudava a deitar. Estendia o lençol segurando as pontas e o jogava para cima, criando uma folha mágica no ar que descia lentamente e me cobria por inteiro, inclusive o rosto. Em seguida, puxava o edredom até o pescoço e dobrava o lençol que ficara sobre o meu rosto, ajeitando a cama com um toque de cuidado. Depois, sentava-se ao meu lado e lia uma história para mim.
Por ali desfilaram Os Três Porquinhos, contos de Monteiro Lobato, histórias do Mickey e Pato Donald, O Menino Maluquinho e tantas outras narrativas que, além de embalar o sono, enchiam minha mente de sonhos e imaginação.
Mas naquela noite, teve diferente. Não apenas porque a história ficou para eu terminar no dia seguinte, mas porque foi a última vez que minha mãe leu para mim antes de dormir.
Sem que percebêssemos, o que antes era um hábito essencial, foi se transformando, diluindo-se no tempo, até se tornar memória. Minha mãe passou a ter outras prioridades, e eu cresci.
Porém, todo aquele ritual deixou marcas. Foi através dele que aprendi a dormir sozinho e desenvolvi meu amor por histórias e contos. A vida, afinal, segue seu curso natural.
Assim acontece com muitos dos bons rituais que cultivamos. Sem perceber, eles se encerram, e só mais tarde nos damos conta de que ficaram guardados em uma gaveta especial de nossas lembranças. Apesar disso, continuam vivos em nós, transformando-nos e ajudando-nos a viver da maneira mais amorosa e feliz.
Talvez tenha sido assim com a última vez que você saiu do colégio, brincou na rua com seus amigos ou abraçou alguém querido.
Hoje, também encerro algo, mas faço questão de que você perceba.
Durante mais de quatro anos — exatos 223 domingos — estive aqui com você, compartilhando histórias. Minhas crônicas buscavam mostrar que as respostas para os desafios da vida estão na própria vida. Desde o início, em 1º de setembro de 2020, estar aqui me transformou. Aprendi disciplina, compromisso e responsabilidade com cada entrega. Revisitei momentos da minha própria história e os ressignifiquei.
Hoje, chegou a hora de encerrar este ciclo. Preciso reunir tudo o que aprendi e dar o próximo passo.
Espero que para você também tenha sido especial. Do fundo do coração, desejo que, em algum momento, uma palavra, frase ou história tenha te tocado, tornando essas leituras transformadoras. Se isso aconteceu, é hora de usar o que aprendeu.
Que juntos tenhamos descoberto a importância de encarar a vida, de enxergar a beleza nos detalhes e de transformar cada instante em uma história grandiosa e feliz.
Agora, chegou o momento de apagar a luz e fechar a porta.
Fique bem.